30 agosto 2015

CRÔNICA: De novo, o domingo

Pensei, cá com meus botões da surrada camisa: quero escrever olhando para o sol pela manhã, quando o céu fica azul e as crianças brincam nas calçadas. Daquelas crônicas que lia nos jornais de antigamente. Sonhava com o futuro olhando pelo buraco da fechadura como um dia escrevera o genial Nelson Rodrigues. A crônica tinha que chegar como os domingos molhados de ternura, embriagados de saudade.

Sempre quis ser poeta na adolescência. Queria ser poeta mas tinha o sangue quente, era desastrado. Quem viveu comigo aquele tempo sabe do que falo. A crônica chega me fazendo refletir sobre tudo e, mais ainda, que durante muito tempo inverti as bolas. Fui velho quando era menino, sou menino agora que a maturidade bateu à porta.

Sou capaz hoje de dar bom dia à natureza e me conformar apenas com o sorriso, a atenção, a palavra cuidada que recebo. Os momentos são únicos e cada vez me convenço mais que a vida é uma missão. Missão de ser gente na essência da palavra, jogar na lata do lixo tudo que é egoísmo e ganância. Quero mais que nunca, viver meu tempo, porque é o que é, e nenhum outro. Tudo isso, num domingo de manhã, com a música. E a música que ouço é uma continuidade de um poema que dizem ser de Jorge Luiz Borges, “devia ter amado mais, ter sorrido mais, ter visto mais o sol se pôr.”

Sorte teve Carlos Drummond de Andrade e tantos outros poetas fantásticos. Eles souberam sempre escrever o que sentiam. Eu, como um menino ousado, fico por aí rabiscando coisas que não viram rimas e nem chegam aos corações. Mas é domingo.

Aos domingos gosto de acordar cedo, aproveitar cada segundo desse dia extraordinário, escrever muito e apagar tudo logo em seguida. Já me sugeriram escrever memórias. Mas como poderia fazê-lo se não consigo guardar o que escrevo?

A semana é sempre corrida, estressante, com tempos escassos e caminhadas apressadas, olhares. A gente tem a impressão de que a vida é crua e fria, amargurada. E dorme com os sonhos que ficaram guardados por tantas horas do dia que se vai. Ah, o domingo. De versos alegres, amores a conquistar, música suave e preguiça gostosa no corpo. O tempo da gente é esse, e nenhum outro.
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